Algumas reflexões sobre o casamento para quem está às vésperas
de casar-se não é nada mau. Isso é que me sugere o assunto desta carta, mas
espero que você a receba como prova de afeição.
O momento do “sim” deveria ser acompanhado das seguintes
palavras: “Aprenderei a receber meu cônjuge como recebo a vida, sem esperar
tudo dele e oferecer-lhe sem obrigar a receber. Serei responsável por ele, mas
não o acompanharei nas fraquezas e caprichos”.
Todo drama conjugal, minha querida, resulta do choque do egoísmo:
quanto mais forte, mais frágil o elo.
À medida que o egoísta se expande, menos compreende o que se
passa com o outro. Torna-se incapaz de adivinhar-lhe os anseios mudos ou
declarados.
Casamento é situação de contato que deve ser compreendida no
conjunto e nas reações individuais: um ser humano desenvolvendo-se no tempo, a
seu lado, mas diferente de você.
Penetre no íntimo de seu próprio temperamento e no de seu
esposo. Dessa reflexão, imposta pela vida, sua sensibilidade se irritará, se você
for egoísta, mas se for generosa, servirá para esclarecê-la cada vez mais,
fazendo-a decifrar um gesto, um silêncio, uma suspeita; fazendo-a analisar as
qualidades dos sentimentos que a animam.
Só depois que o casal faz essa penetração de caráter profundo e
reciprocamente é que o amor conjugal atinge maturidade e será duradouro.
Cria-se, então, um ambiente de companheirismo, de assistência mútua e doação.
Dê, minha querida inexperiente, à expressão “assistência mútua”
um sentido mais amplo, mais humano, o que significa não fazer todas as
vontades, aderindo aos caprichos do outro, mas ajudá-lo de tal modo que pareça
até oposição. A aceitação interior do outro se revela por uma atitude de
repouso e serenidade, pelo abandono de irritação do amor próprio e de
exigências insatisfeitas.
Tudo isso é sabedoria que, às vezes, infelizmente, só aparece no
limiar da velhice, parecendo até senilidade aos olhos menos esclarecidos.
Quem não souber receber a vida conjugal com todos os sacrifícios
e renúncias será incapaz de aceitar o próximo, inclusive os filhos, esses
selvagenzinhos forjados por nós.
Todos os reveses do amor humano prendem-se à falta de sentido
dos outros. Casamento, minha querida, tem duas finalidades: uma que se refere
aos interesses individuais dos cônjuges, outra relativa ao bem dos filhos, da
família e da sociedade. Por serem diferentes, só podem permanecer em
hierarquia. Quando a primazia cabe aos cônjuges, então o casamento é o fim de
uma estória de amor a par de um crime de lesa-sociedade; mas na concepção de um
humanismo integral, a felicidade caberá aos filhos, à família e à sociedade, e
a união será um bem comum.
A família é o lugar onde se experimentam as relações humanas,
onde se fermenta a injustiça maior, a da atmosfera das nações.
O verdadeiro valor da maternidade e paternidade, resultante do
amor conjugal consciente, que atingiu o nível de maturidade, tem sido
desfigurado e até ridicularizado, mas as consequências se refletem na sociedade
atual: completa desarticulação na vida social e profissional; cargos de direção
nos partidos políticos e nas profissões revelando agressividade egoísta,
intolerâncias lastimáveis.
Por tudo isso, minha jovem, ainda não lhe dou os parabéns, mas
faço sinceros votos de que tenha coragem e muita moderação nesta maior
experiência da vida que é o casamento.
Carta a uma noiva